Desafios de uma liderança determinada – Pós-Exílio Babilônico
“(…) Estou executando uma grande obra, de modo que não poderei descer (…)” Ne 6:3
Israel, como reino unido, durou por um período de cerca de 120 anos, iniciando com o governo de Saul (1049 – 1007 a.C), seguido por Davi (1006 – 966 a.C) e seu filho Salomão (970 -931). Após a morte de Salomão, o reino se dividiu em dois, por uma insurreição de Jeroboão contra o sucessor do trono Roboão, filho de Salomão.
Dez das doze tribos de Israel acompanharam o insurgente Jeroboão e formaram o reino do Norte, que teve como capital Siquém, Tirza e por último, Samaria. O reino do Sul foi constituído pelas tribos de Judá e Benjamin, tendo Jerusalém como capital, onde ficava o templo.
O Reino do Norte durou por cerca de 209 (931 – 722 a.C), quando teve sua queda em 722 a.C, pela investida do exército assírio, conduzido pelo rei Salmaneser V (727 – 722 a.C), filho de Tiglate-Pileser III. Na época, Oséias, filho de Elá, governava sobre Israel, em Samaria (2Rs 17: 1-3). Israel foi transportado para o exílio na Assíria (2Rs 17:6) e apenas um pequeno contingente, que havia se escapado, permaneceu em Samaria.
A queda de Samaria e, consequentemente, do Reino do Norte, foi motivada pela sucessão de erros e desacertos à Lei de Deus, praticados pelos líderes políticos e espirituais de Israel, levando o povo a se curvarem aos deuses e aos estatutos das nações pagãs, mesmo tendo sido advertidos, por diversas vezes, pelos profetas que o Senhor Deus lhes enviara (2Rs 17:7-23).
Com a morte de Salmaneser V, em 722 a.C, exatamente no ano em que tomara Samaria, Sargão II (722 – 705 a.C c/c Is 20:1) assume o governo da Assíria e traz gente da Babilônia e de outras regiões da mesopotâmia para habitarem nas cidades de Samaria, no lugar dos filhos de Israel (2Rs 17:24). Um povo miscigenado e de costumes sincréticos se forma como a nova população de Samaria (2Rs 17:19-34), no Reino do Norte.
Como consequência da rebelião promovida por Jeroboão, o Reino do Norte possuiu oito dinastias, nos seus poucos mais de dois séculos de existência.
O Reino do Sul (931 – 586 a.C) por sua vez, durou cerca de 345 anos, se considerarmos como referência a destruição de Jerusalém e do templo, em 586 a.C. Como cumprimento à aliança que o Senhor Deus fizera a Davi, de que seu trono subsistiria de geração em geração e para sempre (2Sm 7:16; Sl 89:4), o Reino do Sul possuiu apenas uma dinastia e, com o surgimento de Jesus, o Messias descendente de Davi, o reino davídico para sempre se estabeleceu.
A tomada do Reino do Sul e sua deportação para o exílio babilônico se deu em três momentos: a primeira incursão ocorreu em 606 a.C, onde Daniel, Misael, Ananias e Azarias, dentre outros nobres de Jerusalém, foram deportados para a Babilônia; a segunda incursão, ocorrida em 597 a.C, Nabucodonosor levou cativos para a Babilônia o rei de Judá, Joaquim, com sua mãe, seus servos, seus príncipes e seus oficiais, bem como as mulheres do rei, todos os artífices e ferreiros, ao todo dez mil, transportando também todos os tesouros do templo e da casa do rei (2Rs 24:10-17); na terceira incursão, em 586 a.C, o templo, a casa do rei e os edifícios importantes foram queimados e destruídos, os muros de Jerusalém foram derrubados e o restante do povo e os utensílios de bronze e prata do templo foram levados para Babilônia, permanecendo na cidade apenas os mais pobres, como vinheiros e lavradores (2Rs 25:8-21).
O império babilônico havia caído na noite em que o rei Belsazar (553 – 539 a.C), oferecia um grande banquete para mil de seus príncipes, mulheres e concubinas, se utilizando dos utensílios da Casa do Senhor (Dn 5), levados por Nabucodonosor há cerca de 66 anos. Na noite do banquete Dario, o medo, se apoderou do reino babilônico e assim, um novo império, de domínio sobre toda a Média, Pérsia e Babilônia se estabeleceu, sob o governo de Ciro, o grande.
O Senhor Deus, utilizando-se da boca de Isaías, a cerca de um século e meio antes do nascimento de Ciro, declarou: “que digo de Ciro: Ele é meu pastor e cumprirá tudo o que me apraz; que digo também de Jerusalém: Será edificada; e do templo: Será fundado.” (Is 44:28).
O profeta Jeremias, que profetizou a queda de Judá e seu exílio e, inclusive, presenciou pelo menos a primeira invasão de Nabucodonosor, em 606 a.C, determinou, a mando de Deus, o período de setenta anos de exílio (Jr 25:11; 29:10-14).
O profeta Daniel, um dos jovens deportados para a Babilônia na primeira invasão, agora já idoso e tido como um seleto sábio da corte babilônica, ao ler os rolos do profeta Jeremias, descobrindo que o tempo determinado para o cativeiro estaria se esgotando, começa a orar, jejuar e se humilhar perante o Senhor, pela restauração do seu povo (Dn 9:2,3).
O historiador Flávio Josefo registrou um relato do dia em que Daniel leu a profecia de Isaías para Ciro e, como resposta, ele foi levado a proclamar o pregão (Ed 1:2-4), em 538 a.C, exatamente no final dos 70 anos do cativeiro, cumprindo assim a profecia de Jeremias.
A situação dos judeus exilados na Babilônia é descrita no Salmo 127:
(1) Às margens dos rios da Babilônia, nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião. (2) Nos salgueiros que lá havia, pendurávamos as nossas harpas, (3) pois aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções, e os nossos opressores, que fôssemos alegres, dizendo: Entoai-nos algum dos cânticos de Sião. (4) Como, porém, haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha? (5) Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. (6) Apegue-se-me a língua ao paladar, se me não lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria. (7) Contra os filhos de Edom, lembra-te, Senhor, do dia de Jerusalém, pois diziam: Arrasai, arrasai-a, até aos fundamentos. (8) Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. (9) Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra.
Com o fim dos 70 anos de cativeiro, acobertado pelo decreto de Ciro, o primeiro retorno dos exilados se inicia, em 538 a.C, sob a direção de Zorobabel, da tribo de Judá. O número dos que voltaram foram de 42.360, além dos 7. 337 servos e servas, somando um total de 49.697 pessoas. Junto de Zorobabel, um líder político, que cuidaria da obra relativa à construção do templo, estava o sumo sacerdote Jesua, um líder espiritual, que cuidaria do culto à Deus (Ed 2). Outra figura importante que acompanhou Zorobabel foi o primo e tutor de Hadassa (Ester), chamado Mordecai (Ed 2:2).
Podemos observar que além de conduzir a história, em suas entrelinhas o Senhor Deus acerta a agenda da Sua herança, o seu povo.
A primeira construção nacional erguida foi o “altar do Deus de Israel” (Ed 3:1, 2). O local de adoração, há 70 anos destruído, agora é reconstruído com o esforço conjunto, “como um só homem”, dos filhos de Israel. Antes mesmo de qualquer outra grande construção, como o templo ou a casa do rei, ou os muros da cidade, a prioridade do líder espiritual Jesua foi reconstruir o altar, podendo assim retomar a realização dos cultos e o calendário regular das festas ordenas por Deus. O altar foi reconstruído provavelmente em 537 a.C[1].
A segunda construção nacional a ser reconstruída foi o templo. O lançamento dos seus alicerces foi marcado por cânticos de rendição de graças ao Senhor e muitas vozes de júbilos e de choros, que de longe se ouvia (Ed 3:8-13).
No entanto, a alegria do povo de Deus em reconstruir o lugar de adoração a Deus, provou a reação dos adversários. De forma amistosa e a princípio voluntariosa, se ofereceram para apoiar na mão de obra da reconstrução do templo, com o pretexto de que também tinham o hábito de oferecerem sacrifício ao Deus de Israel, desde os tempos em que foram deportados da Assíria, para habitarem a cidade de Samaria (Ed 4:1-2; 2Rs 17:24).
Zorobabel, Jesua e os cabeças de famílias negaram qualquer apoio dos adversários, pois conheciam o seu intento maligno, contrário a restauração espiritual e nacional do povo de Deus (Ed 4:3). Os líderes precisam agir com discernimento e firmeza ante às investidas sutis e até graciosas do inimigo.
É preciso compreender que os adversários são persistentes na tentativa de frustrar ou destruir os planos daqueles que estão determinados a fazerem a obra de Deus com determinação e afinco. Insatisfeitos em não serem permitidos a ajudar na reconstrução do templo, os inimigos “alugaram” conselheiros para frustrarem os planos de reconstrução, durante todos os dias do reinado de Ciro e Dario (Ed 4:4, 5), isto é, por cerca de 50 anos.
Não satisfeitos em semear contendeiros entre o povo de Deus, os samaritanos miscigenados e sincréticos, escreveram uma carta ao rei da Pérsia, relatando aquilo que todo monarca temia, a rebelião de uma nação subjugada, sonegando os impostos e os pedágios (Ed 4:6-16). Como resposta, o rei manda parar as obras de reconstrução do templo e da cidade de Jerusalém. Não era uma ordem para apenas algumas pessoas pararem, mas para cerca de 50 mil pessoas que trabalhavam incessantemente na obra de reconstrução do local de adoração ao Senhor seu Deus. Por 16 anos as obras foram paralisadas, de 536 a 516 a.C.
Mesmo diante das investidas mais ousadas do inimigo o Senhor jamais abandonou o seu povo. Foi assim que o Senhor levantou os profetas Ageu e Zacarias a encorajarem as lideranças a recomeçarem a edificar a Casa de Deus (Ed 5: 1, 2). O rei do império persa havia determinado a paralização da obra, mas o Rei do Universo deu ordens para que ela fosse recomeçada. “Operando Deus, quem impedirá?” (Is 43:13), pois “Aquele que iniciou a boa obra é fiel para completá-la” (Fl 1:6).
A obra do Senhor precisa ser feita por pessoas responsáveis e corajosas, mesmo diante das ameaças e afrontas do inimigo, pois o próprio Deus provê os meios necessários para que Sua obra seja concluída. O Senhor Jesus precaveu: “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus” (Lc 9:62).
O templo foi reerguido debaixo de muitos desafios e afrontas dos inimigos do povo de Deus, no dia 3 do mês de Adar (fevereiro/março) de 516 a.C, exatamente 70 anos após ter sido destruído em 586 a.C (Ed 6:15). O Senhor Deus havia mudado o coração do rei da Assíria a favor de Seu povo (Ed 6:22).
O segundo contingente de exilados, com cerca de 8 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças (Ed 8:1-14), retorna a Jerusalém cerca de 59 anos depois da reconstrução do templo, em 458 a.C, sob o comando de Esdras, o sacerdote-escriba (Ed 7:1-7). Assim como Zorobabel, Esdras foi conduzido pela mão de Deus, com o propósito de organizar os turnos dos sacerdotes e levitas para servirem no templo (Ed 8 e 9), conforme determinou Davi a Salomão (1Cr 28:13).
Além de organizar os turnos dos sacerdote e levitas, Esdras teve a difícil incumbência de recomendar a todos os israelitas em Jerusalém a despedirem as mulheres hetéias com as quais haviam casado, bem como a seus filhos (Ed 10). Centenas de judeus havia tomado mulheres estrangeiras como esposa, inclusive os sacerdotes e levitas, o que contrariava os mandamentos de Deus ao seu povo (Dt 7.3).
O terceiro contingente de exilados retorna a Jerusalém, sob o comando de Neemias, em 445 a.C, cerca de 13 anos após o segundo e 72 anos após o primeiro, com a missão de reconstruir os muros e as portas da cidade de Jerusalém. Os muros preservariam a segurança e a identidade da nação, além de restaurar o respeito nacional entre as nações circunvizinhas.
Era o mês de Quisleu (novembro/dezembro), no final do ano de 446 a.C, quando Neemias recebe a visita de seu irmão Hanani e de alguns judeus que vieram de Jerusalém a Susan, cidade fortificada do império persa, onde ficava a moradia de inverno do monarca e de muitos de seus oficiais; Susan também havia sido o cenário de Ester (Ne 1:1; Et 1 e 2).
Desde a primeira deportação dos judeus para o exílio babilônico, em 605 a.C, como cumprimento do castigo divino a Judá, Reino do Sul, vimos em contrapartida o zelo divino em empregar na corte real dos impérios que o subjugaram, de forma estratégica, alguns homens ilustres do seu povo, como Daniel, Mizael, Azarias, Ananias, Ester, Esdras, Neemias e outros.
Tempos depois, vencidos os 70 anos de cativeiro, onde muitos judeus ainda se encontravam habitando nas províncias do império Persa e, de forma providencial, o Senhor prepara a assunção de Ester como rainha substituta de Vasti (chamada pelos gregos de Amestris, filha de Otanes), no ano 479 a.C. No 7º ano do reinado de Assuero (485 – 465 a.C) Ester se torna sua rainha e madrasta de Artaxerxes (Xerxes I), filho de Assuero com Vasti, que à época tinha cerca de 6 anos de idade.
Artaxerxes, apelidado pelos autores gregos de “longímano”, por ter a mão direita maior que a esquerda, tinha cerca de 20 anos, quando assumiu o império Persa, após o assassinato de seu pai (Dario I), em 465 a.C, e se estabeleceu no trono até 424 a.C, por cerca de 40 anos.
No fato de Neemias assumir o cargo de copeiro do rei persa Artaxerxes, podemos visualizar a influência da rainha Ester, como instrumento de Deus, para a salvaguarda futura de seu povo.
Os livros de Esdras e Neemias, de acordo com a Septuaginta e a vulgata em latim, tratavam-se apenas de um livro, escrito em dois volumes, pelo sacerdote-escriba Esdras, no final do V século a.C. O livro de Neemias é considerado como “Segundo Esdras” nas duas traduções citadas[2].
Neemias foi um judeu temente a Deus e de profundo sentimento patriótico e fraterno. Era copeiro no palácio do rei Artaxerxes e sentiu comovido com a situação que seus compatriotas, viviam em Jerusalém. Neemias resolveu fazer a diferença naquela geração, para mudar a situação deles.
O relatório de Hanani a seu irmão Neemias era de que Jerusalém se encontrava em ruínas, desprezo e miséria, os muros derrubados e as casas queimadas (Ne 1:3; 2:17).
Diante desse quadro, Neemias desperta um propósito no seu coração, de orar e jejuar por alguns dias perante o Senhor (Ne 1:4) e a boa mão do Senhor era com ele (Ne 2:8)
Atitudes tomadas por Neemias, diante do cenário desolador de Jerusalém e dos seus compatriotas que lá habitavam:
Interessar e compadecer com a situação do seu irmão – aqui nasce o sentimento pela obra de Deus, o desejo de fazê-la, movido por uma ação divina;
Certificar-se de que Deus está no negócio (2:8, 18)
Coragem para enfrentar o desafio e sair da zona de conforto;
Procurar conhecer a dimensão do desafio (conferiu in loco a situação dos muros e das portas, antes de iniciar os trabalhos (Ne 2:11);
Não revelar seus planos a qualquer pessoa (Ne 2:12);
Procurar as pessoas certas para te ajudar – foi ao rei e contou com o apoio dos anciãos e chefes de famílias – e buscar os meios para encorajá-las (Ne 2:17, 18);
Incentivar a união de esforços para a consecução do bem comum – as famílias dispostas na reconstrução dos muros e das portas (Ne 3);
Estar preparado para enfrentar a resistência inimiga – os velhos inimigos do povo de Deus (moabitas – Sambalate; amonitas – Tobias e Gesém, o arábio): zombarias, iras e desprezos (Ne 2:19; 4:1-3, 7, 8, 11)
Estar pronto a contra-atacar: oração (Ne 4: 9, 13, 15);
Deus frustas os planos do inimigo (Ne 4:15), no entanto não podemos baixar nossa vigilância e estarmos preparados para novas investidas do inimigo (Ne 4:16-20);